segunda-feira, 30 de outubro de 2017

500 anos da Reforma Protestante; entenda seu contexto e desdobramentos



A Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão culminado no início do século 16 por Martinho Lutero (1483-1546), na Alemanha. Em 2017, esse processo histórico completa 500 anos, sendo hoje considerado um dos eventos fundadores da história moderna.
No fim da Idade Média, a Igreja Católica tinha grande influência política e social. Ela se tornou uma potência financeira e em diversos casos foi usada como um instrumento de fortalecimento do poder político. O Papa tinha uma fortuna maior do que muitos príncipes e os cargos eclesiásticos eram disputados pela aristocracia --muitas vezes viravam moeda de troca política.

A venda de indulgências


Uma das práticas mais comuns da Igreja Católica era a venda pública das indulgências, os pergaminhos que perdoavam os pecados do fiel. Muitos padres as vendiam em troca de uma doação em dinheiro a Igreja. “Assim que a moeda no cofre cai, a alma do Purgatório sai”, dizia um ditado popular. Era quase como comprar um lugar no céu. 
Durante o Pontificado do Papa Leão X (1513 – 1521), essa prática atingiu o seu auge. Leão era da poderosa família italiana Médici de Florença, mecenas das artes na Itália. Seu pontificado ficou conhecido por fazer de Roma um florescente centro cultural da Renascença.
Foi Leão X quem patrocinou a ampliação da Basílica de São Pedro e a construção de diversas obras. Seu mandato também foi caracterizado por tentar reunir os príncipes cristãos nas Cruzadas contra os turcos. Mas para financiar os vultosos gastos militares e suntuários, Leão X aumentou a venda de indulgências.
Havia um estado de espírito comum a muitos seguidores da Igreja, de que ela deveria voltar a praticar valores verdadeiramente cristãos. Vários foram os pensadores que questionaram a autoridade moral da instituição e defenderam reformas religiosas na Europa.

A iniciativa de Martinho Lutero


No dia 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero afixou na porta da Igreja de Wittemberg, na Alemanha, 95 teses que criticavam a conduta da Igreja Católica. Os textos denunciavam a deturpação do evangelho, a venda de indulgências e a corrupção, o enriquecimento ilícito e a falta do celibato clerical. Além das denúncias, chamavam o cristão ao arrependimento e à fé.
Lutero pregava que somente a fé em Deus salvava as pessoas. Uma ideia que se opunha à salvação pela compra de indulgências. Essa interpretação oferecia ao povo a expiação da culpa por meio da contrição e penitência, o que ia contra as práticas da Igreja naquele momento. Para ele, a salvação se dá pela fé na justiça, na graça e misericórdia divina.
O luteranismo também defendia a livre interpretação da Bíblia. A Igreja Romana era contra esse ponto, pois entendia que o povo não iria entender corretamente os ensinamentos de Deus e precisava seguir as orientações de um sacerdote.
As 95 teses de Lutero deram origem a um movimento de ruptura que levou à criação de uma nova religião cristã, o Luteranismo, identificado como um movimento protestante em relação ao Catolicismo. Daí vem o nome “Protestante”, para designar os seguidores dessa vertente religiosa.
Alguns historiadores dizem que Lutero nunca quis sair da Igreja Católica. Mas, quando questionado sobre suas posições, Lutero não recuou e suas teses fizeram com que ele fosse excomungado e expulso da Igreja pelo Papa Leão X, que teve apoio de Carlos V, imperador alemão. No entanto, príncipe da Saxônia, Frederico, protegeu Lutero.
Outros príncipes e nobres começaram a apoiar o culto luterano nos principados católicos com o interesse de libertar seus territórios do poder papal e de Carlos V. Em 1531, eles se uniram e criaram a Liga de Smalkade, que lutou contra as tropas imperiais. O conflito foi resolvido apenas em 1555, quando se estabeleceu que cada príncipe poderia determinar a religião de sua região.
A Reforma Protestante se espalhou na Alemanha e teve rápida aceitação em vários países. Enquanto na Alemanha a reforma era liderada por Lutero, na França e na Suíça a Reforma teve como líderes João Calvino (1509-1564) e Ulrico Zuínglio (1484-1531). Na França e nos Países Baixos, os adeptos foram chamados de huguenotes. Na Inglaterra, de puritanos, e na Escócia, de presbiterianos.

A resposta católica à Reforma


Para conter o avanço do Protestantismo, a Igreja Católica promoveu um movimento de Contrarreforma. O momento mais importante foi o Concílio de Trento (1545-1563), que criou regras para a Igreja Romana. Era hora de rever práticas da própria Igreja que eram condenadas por muitos fieis como a venda de indulgências e a corrupção moral.
A partir do Concílio, os cultos poderiam ser realizados em língua nacional, visando uma ampla divulgação do Catecismo Romano. Para elevar o nível moral dos padres, surgiram, pela primeira vez, os seminários, responsáveis pela educação religiosa.
O celibato, ao contrário de ter sido relaxado, foi veementemente reafirmado. Já o Papa teve seus poderes e representatividade garantidos. A livre interpretação dos textos sagrados foi rejeitada e a devoção a imagens, à figura de Maria e aos santos foi reforçada.
Para conter a expansão do Protestantismo no Novo Mundo, a Igreja Católica estimulou ordens religiosas, como os jesuítas e capuchinhos, que viajavam para fundar missões nas Américas e na Ásia.
A Igreja também realizou medidas conservadoras como a reorganização do Tribunal do Santo Ofício, encarregado de combater as heresias e julgar os infiéis, e a publicação do Índex (Índice dos Livros Proibidos), a relação de livros que os católicos estavam proibidos de ler. Muitas vezes, esses livros chegaram a ser queimados em praça pública, em grandes fogueiras.

O Catolicismo se tornou ainda mais forte na Itália, na França, na Espanha, em Portugal, na Áustria e na Bélgica. Ele também teve rápida expansão nas colônias ultramarinas.


O uso da imprensa


Os panfletos luteranos, que começaram a ser veiculados em 1517, passaram a ser rodados nas máquinas de imprensa (réplicas do modelo de Gutenberg) dos vários principados alemães simpáticos à causa reformista.
Lutero também inovou e traduziu a Bíblia do latim para o alemão. Naquela época, o acesso à Bíblia era muito restrito.  Com Lutero, o livro foi impresso nos modelos da imprensa de Gutenberg e estava disponível para mais pessoas. O cristianismo ficou menos hierárquico e mais acessível. Isso ajudou ainda mais na disseminação da leitura e na proliferação do protestantismo na Europa.

O fortalecimento do Estado


A Reforma Protestante, de caráter religioso, serviu também a interesses políticos de fortalecimento do Estado.
Os príncipes das monarquias europeias desejavam maior autonomia e poder em relação à Igreja Romana. Além de pagar menos impostos, os nobres também se beneficiaram do confisco das terras da Igreja.
É o caso da Inglaterra. Com a Reforma Anglicana, a Igreja e o clero tiveram os bens confiscados e ficaram subordinados ao rei, que passou a ser o chefe da Igreja.

O surgimento de novas doutrinas


A Reforma Protestante quebrou o “monopólio” espiritual da Igreja Católica na Europa e abriu caminho para o surgimento de diversas vertentes do Cristianismo. No século 16 surgiram as religiões Anglicana (Inglaterra), Luterana (Alemanha), a Calvinista (França e Suíça). No século 18, surge a Igreja Metodista (Reino Unido) e, a partir do século 19, as religiões Pentecostais e Neopentecostais, que ficaram populares nos Estados Unidos.

A relação com o capitalismo


Segundo Calvino, o homem já nasce predestinado à salvação ou condenação eterna. Um dos sinais da salvação é a riqueza acumulada através do trabalho. Desta forma, o trabalho pode ser um caminho para o homem expiar seus pecados e a prosperidade é uma bênção divina. Mas o calvinismo condenava a luxúria e entendia que era preciso investir o lucro para gerar mais trabalho.
Para alguns historiadores, a expansão do protestantismo ajudou a fortalecer o capitalismo no século 16. O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) publicou um ensaio intitulado “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, que se tornou um clássico.
Segundo Weber, o calvinismo trazia o chamado “espírito do capitalismo”, uma atitude que valorizava o comportamento aquisitivo e a competitividade. A ética medieval católica condena a acumulação de capitais, o empréstimo a juros e propõe a doutrina do “preço justo”.
O protestantismo libertou a burguesia das proibições eclesiásticas das práticas comerciais e bancárias. Já os camponeses viram na Reforma a chance de corrigir injustiças do sistema feudal.

A transição para a Modernidade



Durante o período de 1450-1550, houve a transição da idade Medieval para a Modernidade. O desenvolvimento do humanismo no Renascimento permitiu o florescimento de um pensamento crítico e individualista.
Embora a iniciativa de Lutero seja considerada pessoal, a livre interpretação da Bíblia deve ser compreendida como mais uma das muitas manifestações típicas do individualismo do homem renascentista.

Guerras Religiosas



A Reforma Protestante motivou a ocorrência de guerras de religiões em diversas regiões europeias. As rivalidades entre reformistas e católicos e entre próprios reformistas desencadearam várias guerras na Europa entre 1550 e 1620, designadamente, nos Principados Germânicos, na França e na Inglaterra.
Na Alemanha, aconteceu a Guerra dos 30 Anos, na região checa da Boêmia. Naquela época, a maioria da população era protestante, mas o rei, Fernando II, era católico. Houve uma disputa entre os dois grupos religiosos para conquistar o poder.
Na França, o avanço do calvinismo foi responsável por um dos mais terríveis massacres da história do país. Em 1572, a rainha Catarina de Médicis planejou a morte em massa dos huguenotes em Paris.
O massacre começou na madrugada do dia de São Bartolomeu (23 de agosto) e é provável que tenham morrido cerca de 20 mil protestantes. O episódio é conhecido como Noite de São Bartolomeu e deu origem à lenda de que agosto é o mês dos maus agouros.
O massacre na França se estendeu para outras províncias e gerou novas guerras religiosas, que só terminaram na França com a promulgação do Édito de Nantes, em 1598.

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